Depois de cinco anos, a retomada do blog.

É muito engraçado pensar que, na história da internet, blogs são considerados coisas do passado. Até mesmo sites tem caído em desuso. Muitas marcas e lojas virtuais têm usado redes sociais como o Instagram para compartilhar conteúdo. Enfim, é o tempo em que vivemos. Se a velocidade de desuso ainda fosse a mesma da minha adolescência, eu incluiria entre os dispositivos obsoletos coisas como, sei lá, um mp3 player… e não um blog. Mas tudo bem.

Talvez esse tipo de status de obsolescência tenha me motivado a ter justamente reativado esse blog para escrever. Sinto que publicar aqui traz uma aura mais reservada para os textos, longe da babel das redes sociais.

Mas a questão primordial para retomar tudo isso foi assumir uma constatação infeliz: todas as minhas atividades de escrita atualmente são práticas e ligadas ao trabalho. Relatórios, artigos científicos, pareceres, e outras coisas igualmente burocráticas. Em outros tempos, escrever foi algo muito precioso para mim. Na verdade (e já saindo da introdução e entrando numa fase mais aprofundada desse post), sempre me considerei mais um escritor do que qualquer coisa. É como se, ao desenhar ou tocar música, eu fizesse isso com a mente de um escritor. Faz sentido tudo isso? Talvez seja só papo furado que uso comigo mesmo para tentar valorizar o que faço. Eu poderia comparar minhas atividades com uma ilha de montagem e edição, e daria no mesmo.

De todo modo, quero aquecer as turbinas sintáticas e semânticas novamente. Talvez ninguém leia, o que não me importa tanto assim. Por isso estou escrevendo em primeira pessoa e usando muito “eu, eu eu eu”, etc. Soa pretensioso, e afasta os leitores. Mas tudo bem para mim.

Não sei qual tom adotar nesse retorno à escrita de blog. Não sei até que ponto devo ou não ser confessional (pressupondo que alguém estará lendo tudo isso). É tudo um experimento maluco que não sei onde me levará. Nem sei se terei persistência aqui. Talvez seja como essas idas à academia, em que passamos semanas fazendo planos de como será a futura vida fitness, e, passados alguns dias, nunca mais seguramos aqueles halteres de novo.

A única certeza é que tem muitas coisas passando por minha mente. E muitas emoções também. As vezes sinto que poderia passar o dia todo escrevendo. Claro que isso seria um caminho fácil para uma LER seguida de fibromialgia e outras moléstias parecidas. Mas minimamente quero materializar alguns desses pensamentos aqui.

Não me sinto depressivo. As vezes posso estar angustiado, outras ansioso, mas isso é justificável, afinal a pandemia ainda está aí, e tem dois anos que não viajo para minha terra natal. Tem pessoas passando fome, o país está um caos, e as vezes me sinto culpado por me sentir miserável, pois tenho um teto e tenho comida na geladeira.

Mas chega de resmungar. Se for peneirar, o isolamento até que me trouxe coisas boas. Um carinho maior com as pessoas que gosto, a retomada de alguns projetos pessoais que subestimei no passado, e a superação de algumas inquietações emocionais que não me assombram como antigamente.

Também teve a redescoberta de fazer arte apenas pelo prazer da criação, sem pensar no “depois” (como lançar? como publicar?), ou, principalmente, pensar na posteridade da obra. Quando mais jovem, gastei muita energia interior cogitando maneiras de me imortalizar através da arte.

Demorei para perceber que toda a lógica do sistema nos impele a essa necessidade bizarra de reconhecimento. Chegamos ao ponto de ter mecanismos para que pessoas se tornem conhecidas sem fazer nada na vida. Os reality shows revelam “artistas” que não tem obra. É uma sociedade que venera personalidades, em vez das suas realizações.

Algumas décadas atrás, essa matrix da indústria cultural tinha vários furos por onde artistas de verdade poderiam penetrar e prosperar. O produtor Ronaldo Bastos disse que, nos anos 1960 e 70, os sonhadores estavam no poder. Mas essas lacunas foram sendo tapadas gradativamente. Agora, a mamata acabou, e os artistas vivem na mesma penúria que marcou quase todos os artistas de outros tempos. O sucesso massivo feito por arte verdadeira é, historicamente, quase que uma anomalia, se formos pensar bem.

Hoje, quase todo mundo é artista, e, de todos esses (dos mais sofisticados aos mais amadores), praticamente todos são “independentes”. Mesmo os que estão em editoras ou gravadoras. Dizem que a culpa é da concorrência que aumentou muito, mas não acredito nisso. Sempre teve muita gente tentando a sorte na indústria da arte como um todo.

Lendo sobre história das artes (literatura, cinema, HQs, tudo o mais), fica claro que o diferencial tem mais a ver com golpes de sorte que com esforço pessoal. Não tem dessa de “meritocracia” nas artes. A não ser que você seja alguém enormemente talentoso, como um Stanley Jordan, sei lá, e surja com uma técnica absurda e inovadora em uma certa área. Tem umas pessoas que não dá para ignorar nem que se queira. O problema é que a maioria dos reles mortais que se envolvem com arte só vão se destacar com esforço, e precisarão de tempo e de oportunidades. Terão os de maior ou menor talento, mas todos estarão na mesma labuta.

O guitarrista Robert Fripp diz algo que me agrada: ele não acredita em gênio como alguém que nasce genial. Ele diz que a genialidade “pousa” sobre uma pessoa. É como se calhasse de alguém estar no lugar certo e na hora certa, e também de ser a pessoa certa. Foi assim com o próprio Fripp: calhou de ele ter vinte e poucos anos na Londres do fim dos anos 60, calhou de ser amigo de infância de um frontman talentosíssimo (Greg Lake), de conhecer outros músicos acima da média (Ian McDonald, Michael Giles), e calhou até de conseguirem comprar um dos primeiros teclados “mellotron” da história. Todas essas circunstâncias reunidas estão por trás do primeiro disco do King Crimson, “In The Court of Crimson King”. Um dos melhores discos da história do rock. Mas aí está: não foi só talento, não foi só mérito, não foi só por causa do mellotron ou nem por causa das letras de Pete Sienfeld. Foi o xadrez dos deuses mexendo as peças todas.

Por isso, parei de me preocupar com a circulação da obra de arte. E por isso não me preocupo com os leitores desse blog. Vejo dia após dia, nas redes sociais, diversos artistas entrando no inbox de desconhecidos para vender seus livros, divulgar seus discos, até gente que já ganhou prêmios importantes nas suas respectivas áreas aparecem sendo os mascates de si mesmo, ao modo dos vendedores antigos de Barsa, batendo na porta do seu facebook para divulgar seus poemas. Eu costumo conferir o que recomendam, e vez ou outra me deparo com muita coisa boa. Mas a qualidade do material não é o ponto que quero abordar aqui.

Os artistas na era da internet foram largados à própria sorte. Não temos mais a teia da crítica, dos periódicos ou suplementos, que mapeavam o que valia a pena e entregavam isso para o público. Agora, para quem está na cena independente, a indústria cultural virou um faroeste. É você, suas armas e seu cavalo, tentando sobreviver no meio de um deserto. Qual a chance de encontrar um baú de ouro? Tem coragem de matar alguém ou de roubar um trem para enriquecer? Quanto da sua integridade precisará sacrificar junto com seu alazão e seu coldre para fazer um pé de meia?

No fundo, os artistas são todos uns egoístas. Criam para si mesmos. Só que, no afã de serem aceitos, vão cedendo mais e mais. Nesse sentido, tenho imposto meus próprios limites para ceder. Não são limites rígidos demais: afinal, não tenho planos de ser nenhum Frank Zappa. Entretanto, me permito ser bem simples se for o caso, não tenho medo do básico. E tento não me levar muito a sério. Se pinta uma canção de três acordes e com um refrão chiclete, eu posso acolhê-la, porque não? Eu cresci ouvindo grunge, e o Nirvana mostrou que você pode tirar todos os excessos e gorduras sem grilo. Desde que o esqueleto seja íntegro, sua música irá parar em pé.

O êxito do Nirvana também marcou o fim da era dos dinossauros na música. A partir dali, artistas de quase todos os segmentos perderam aquela possibilidade de serem catapultados para outra esfera. Agora, existem inúmeros canais internet afora ofertando cursos e tutoriais para divulgar seu próprio material, por sua própria conta. O que não te dizem (ou dizem sem muita ênfase) é que seu dia continuará tendo 24 horas. Ou seja, vais fazer arte ou vai vende-la?

Esse tem sido um cerne do que faço atualmente. Mergulhar no processo, e não me preocupar mais com o produto. É uma recusa de jogar o jogo, não pelo jogo em si, mas por não ver pontes maciças o suficiente no meio do oceano contemporâneo. Não quero pagar para fazer minha arte circular – seja pagar com grana de verdade ou pagar com meu tempo.

Mas acho que já escrevi muito por hoje, e provavelmente vou me repetir nos próximos parágrafos, então é preciso começar a acabar essa reestreiazinha do blog.

Enfim, posts diários, sobre assuntos dos mais diversos. Não seria mais fácil pagar por uma terapia? Terei tempo hábil para esse projeto de escrita contínua? Ou esse post será a marca de uma futura vergonha por mais um projeto pessoal incompleto? A ampulheta vai rir de mim novamente? Tudo que sei é que, para se ter algo no papel, seja um texto, uma partitura ou um desenho, é preciso que sua pena esteja disposta aos riscos. É isso, por ora.

Conclusões ou finais felizes? Claro que não: só provocações. Eu não disse antes que estou mais pelo processo do que pelo produto?