Porque somos tão obcecados pelos anos 60 e 70

Em 2012, Joe Elliott, vocalista da banda britânica Def Leppard, comentou sobre a expectativa da maior parte do público que vai em shows de rock de artistas mais velhos:

As pessoas vão ao show pra ouvir o que elas conhecem. O único lugar ao qual as pessoas vão psicologicamente preparadas para uma hora de música nova é o karaokê de algum barzinho. Você não vai ao Madison Square Garden esperando ouvir duas horas de músicas totalmente novas do Paul McCartney, do Roger Waters ou do The Who. Você vai pra ouvir ‘Quadrophenia’, algo que você já tem há 40 anos. É disso que se tratam esses shows.

É muito comum que alguns artistas mais antigos tenham o repertório de seus primeiros discos minuciosamente decorado pelos fãs, enquanto seus trabalhos mais novos são sumariamente ignorados. Mesmo aquela música mais fraquinha do lado B do disco velho é mais cantarolável para o fã médio do artista do que a obra-prima do disco mais atual. Se você for fã de Paul McCartney, certamente conhecerá canções da sua carreira solo, como Live and Let Die, My Love, Maybe I’m Amazed… certo? Mas e outras mais novas, como Golden Earth Girl? Only Love Remains? Distractions? Lonely Road?

485724_534342989925985_903040163_n
Só nos anos 70 você podeira encontrar o casal McCartney e David Gilmour (Pink Floyd) de bobeira na platéia de um show dos Stones, anonimamente pitando seu orégano.

Não faltam argumentos para explicar o fenômeno da obsolescência estética da maior parte dos artistas que surgiram nos anos 60 e 70. E eles fazem muito sentido. Por exemplo, se pensarmos no tempo das músicas: as mais antigas estão rodando por aí há mais tempo que as novas; então, é claro que elas tem mais “estrada”, e por isso foram mais assimiladas. Outro raciocínio é aludir à uma glamourização da juventude dos artistas, em contraponto às décadas posteriores, quando ele já está mais enrugado, barrigudo, grisalho, e também calvo; enfim, quando ele deixou de parecer com um “artista” apolíneo, e passou a parecer mais com o seu tio carola.

rock_stars_then_and_now_37
Neil Young and Old

Eu não discordo desses argumentos. Mas acho que há uma glorificação e até mesmo um fetiche dos fãs pelos anos 60 e 70. Isso fica bem claro quando visitamos algumas páginas de estilos musicais nas redes sociais. Discos datados dos anos 60 ou 70 recebem mais “curtidas” que discos novos, mesmo que não sejam tão bons quanto as gravações mais recentes. É como se os trabalhos antigos ostentassem um selo de qualidade que os integra à grife mágica de uma suposta era dourada da humanidade. Nem dá para dizer que é puro saudosismo; afinal, muitos jovens que nem eram nascidos na época (eu incluído!) se debruçam mais sobre a produção daquele período do que sobre obras mais atuais.

article-2389287-1B3E602F000005DC-783_964x821
Shangri-lá em preto e branco.

Assim, fica a dúvida: que aconteceu nos anos 60 e 70 para alimentar uma veneração tão grande?

Esse ensaio busca refletir sobre a questão. O dividi em duas partes (clique nos links para ler):

Paz, Amor e Consumo – uma análise mais geral, sob aspectos culturais e sociais desse período;

The Analogical Song: o mundo antes dos bits – uma análise mais minuciosa, detalhando as diferenças entre o antigo mundo analógico e o atual mundo digital.

7b90a7ad58408e2305d0922883ea2b21
Alguém me empresta uma caneta, por favor!